Do Legado Cultural ao Abandono: Como a Negligência Institucional Apaga a Memória Coletiva Boliviana em São Paulo
Publicado • 24/06/25 às 23:19h
Acervo Incalculável Transformado em Depósito de Equipamentos Eletrônicos: Inaugurada em (12) fevereiro de 2018, a Biblioteca Dr. Elio Galarza García, localizada dentro das instalações do Consulado Geral da Bolívia em São Paulo, nasceu como um farol de conhecimento.
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Seu acervo — doado pelo renomado jurista Dr. Hélio Galarzar (falecido em 2024) — reunia obras raras sobre história, legislação, economia e literatura boliviana, além de documentos constitucionais do Brasil e da Bolívia, constituindo o único espaço dedicado à preservação da cultura boliviana no estado.
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Hoje, entretanto, o que deveria ser um centro de difusão do conhecimento jurídico e cultural tornou-se um depósito improvisado. Prateleiras de madeira, outrora repletas de livros, estão com espaços parcialmente vazias ou cobertas por equipamentos do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia, usados no processo eleitoral de 2025. Fotografias recentes (23 de junho de 2025) revelam o abandono: quatro estantes de obras jurídicas desapareceram, a placa identificadora foi removida, e o espaço, antes público, perdeu suas cadeiras e mesas de leitura.
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Negação do Acesso: Um Ataque ao Direito à Memória
Ao ser questionada, a cônsul Vania Claros negou que o local tenha sido rebaixado a depósito, alegando que os equipamentos do TSE “merecem ser resguardados por segurança”. No entanto, a realidade contradiz a fala oficial: pilhas de caixas de aparelhos eletrônicos bloqueiam o acesso às estantes remanescentes, e não há mesas ou condições para leitura. A justificativa ignora o simbolismo do espaço — um patrimônio doado à comunidade boliviana imigrante, agora soterrado sob interesses burocráticos.
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O caso vai além da má gestão; é um atentado à educação e à identidade. A história da migração boliviana em São Paulo, estimada em mais de 500 mil pessoas, perdeu seu único repositório de história e literatura nacional. Estudantes, pesquisadores e cidadãos são privados de consultar obras fundamentais, como a coleção de direito constitucional boliviano ou textos sobre a ancestralidade andina.
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Responsabilidade do Consulado: Entre a Omissão e o Desprezo
A transformação da biblioteca em depósito expõe a falta de transparência e compromisso do Consulado. Dr. Galarzar doou o acervo com a promessa de perpetuar o conhecimento, mas a instituição falhou em cumprir sua obrigação como guardiã. A ausência de inventários públicos sobre os livros desaparecidos levanta suspeitas de descarte ou desvio — prática intolerável para um acervo de valor histórico.
A comunidade exige respostas:
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Onde estão os volumes faltantes?
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Por que o Consulado prioriza armazenar máquinas eleitorais em detrimento de livros?
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Há planos para reabrir o espaço ao público, com condições dignas?
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Impacto Social: Quando a Diplomacia Falha com seu Povo
A destruição parcial da Biblioteca Galarza García, reflete um padrão de marginalização cultural. Para muitos bolivianos em São Paulo, o Consulado é a única ligação institucional com sua pátria. Ao negligenciar esse símbolo, a representação diplomática envia uma mensagem clara: a cultura, o conhecimento, e a história são descartáveis.
O episódio também mancha as relações bilaterais. O acervo incluía estudos sobre o Brasil, fortalecendo o diálogo entre os países. Agora, sob caixas de plástico, o que resta é uma metáfora do desrespeito — com a história, com a família do doador e com as gerações futuras.
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Chamado à Ação: Salvem o Acervo Antes que Vire Pó
Organizações da sociedade civil boliviana deveriam mobilizar campanhas para resgatar o acervo. Especialistas propõem:
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Auditoria independente para localizar os livros desaparecidos.
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Repatriação do acervo a uma instituição acadêmica, caso o Consulado não cumpra seu papel.
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Pressão diplomática via Ministério das Relações Exteriores da Bolívia.
Enquanto isso, a biblioteca — ou o que dela restou — permanece trancada na Rua Coronel Artur Godói, 7. Suas prateleiras parcialmente vazias relatam um grito mudo num silêncio ensurdecedor: o da cultura abandonada por aqueles que deveriam protegê-la.
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