ISTOÉ: Brasil, o campeão do acolhimento a refugiados

A chegada de milhares de venezuelanos levou o Brasil a se tornar um dos líderes globais na aceitação de refugiados. Iniciativas culturais buscam facilitar a integração e mostrar que é possível construir um futuro melhor longe do país de origem.

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ISTOÉ: Brasil, o campeão do acolhimento a refugiados

Publicado em 09/02/24 às 21:06
Por: Mirela Luiz

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De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) o Brasil recebeu nos últimos anos mais de meio milhão de venezuelanos que escaparam da crise em seu país. Além disso, outros grupos de refugiados — entre eles, cerca de nove mil afegãos — encontraram abrigo em terras brasileiras. A situação tem sido acompanhada por iniciativas que valorizam a vida dos refugiados e mostram que é possível construir um futuro melhor longe de sua nação de origem. Uma dessas propostas é a Orquestra Mundana Refugi, que reúne 22 instrumentistas, sendo 12 expatriados de diferentes nacionalidades e dez brasileiros. É um exemplo interessante que revela como a música pode transcender barreiras culturais e unir pessoas de diferentes culturas em um só ritmo. "A orquestra tem representantes de várias nacionalidades, inclusive brasileiros. Há muitos imigrantes e refugiados. É esse o objetivo da orquestra: mostrar que o Brasil pode acolhê-los", afirma Carlinhos Antunes, fundador do grupo. A cantora venezuelana Fran Castellar chegou ao Brasil em 2018 e encontrou na orquestra uma recepção tão positiva que lhe permitiu sonhar em recomeçar a vida. "Acho que cada estrangeiro vive uma experiência diferente por aqui. No meu caso, e até considerando a experiência do meu filho, que é um homem negro, nunca passamos por nada que nos fizesse sentir mal por sermos estrangeiros", afirma.

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UNIÃO Orquestra Mundana Refugi: formação com músicos internacionais transcende fronteiras e culturas.


"Estou aqui no Brasil e feliz, já validei meu diploma, fiz diversos cursos. Participo da orquestra, logo mais vou começar a faculdade. Aqui tive oportunidade", comemora o instrumentista congolês Hidras Tuala. O bar Al Janiah, também conhecido como o "bar dos refugiados", por receber trabalhadores que foram forçados a deixar seus países, está localizado no centro de São Paulo. É um complexo que inclui ainda um restaurante de culinária árabe, um centro cultural e um espaço de resistência, onde organizam o movimento. "Procuramos ajudar os imigrantes e expatriados a se estabelecer aqui, a ganhar alguma coisa para conseguir começar a vida. Essa é a nossa proposta", declara o gerente Bilal Jaber, palestino que adotou o Brasil como seu lar. "Costumo dizer que o Brasil é o paraíso. Tem problemas sim, mas há liberdade", completa. Algumas entidades da sociedade civil, como é o caso do Centro do Imigrante no Brás, também em São Paulo, têm promo-vido diversas ações. Entre elas estão populares feiras inclusivas, nas quais os refugia-dos têm a oportunidade de compartilhar sua cultura por meio da gastronomia, artesanato e outras oportunidades de empreendedorismo. "Ao longo de 2023 foram atendidas mais de 37,5 mil pessoas no Centro. Apesar do número de atendimentos ter sido representativo, ainda há muito por fazer. Queremos oferecer mais esperança e dignidade para essas pessoas", explica o presidente da entidade, Tadeu Silva.

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“Procuramos ajudar os imigrantes e refugiados a se estabelecer aqui"
Bilal Jaber, palestino, refugiado e gerente do bar Al Janiah.


Todas essas ações têm como objetivo destacar as boas histórias e seus personagens dentro da realidade dos refugia-dos no País. Roselis Daniela, venezuelana atendida pelo Centro do Imigrante, deixou sua terra natal em busca de melhores oportunidades e uma vida mais estável para ela e suas três filhas. "Não foi fácil. Moramos em abrigos e vivemos coisas que nunca imaginei. Mas minhas filhas conseguiram bolsas de estudos em uma escola particular e eu vou começar a cursar uma universidade. Ter vindo para São Paulo, apesar das dificuldades, foi a melhor coisa que nos aconteceu", diz. O haitiano Marc Jmas Labossiére, de 39 anos, chegou ao Brasil em 2016. Com seu bom humor, conquistou seu espaço. Bancário em seu país de origem, não viu problema em começar como pedreiro. Hoje trabalha no setor de remessas de numerário e câmbio do Centro do Imigrante e não esconde sua gratidão pelo acolhimento recebido. "Eu me senti muito bem-vindo desde que cheguei. Estou muito feliz aqui no Brasil. Tenho um bom emprego, uma família maravilhosa e estou conseguindo construir uma vida melhor para mim, para minha esposa e nossa filha", diz. Assim como ele, Mileidis Zapata também trabalha na ONG, no estande do Sebrae. Apesar de uma trajetória sofrida, considera-se uma pessoa de sorte. "Estava feliz em meu país, mas veio a crise. Perdi tudo e viajei para Roraima, fui moradora de rua, lutei muito para chegar até aqui. Trabalho hoje para ajudar outros imigrantes", diz.

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IMIGRANTES Marc Mas, Mileidis Zapata, Prudence Kalambay e Roselis Daniela: eles tentam recomeçar a vida no Brasil


Prudence Kalambay, de 43 anos, fugiu do Congo em 2005 com sua filha de apenas quatro anos, em meio à guerra entre governo e grupos paramilitares que, em 20 anos, matou mais de seis milhões de pessoas. Após sofrer perseguição politica, decidiu fugir para An-gola. "Sabia que minha vida estava em risco", diz. Ha 16 anos no Brasil, a congolesa coleciona alegrias, mas não es-conde que ainda tem de lutar muito para conquistar seu espaço e conseguir sobreviver financeiramente, "Não é fácil ser refugiada. Consegui muita coisa, mas é uma luta diária", pondera. O desafio de lidar com os desloca-mentos forçados é global. Conforme o relatório da Acnur, o número de pessoas deslocadas à força, seja por guerras, perseguições ou violações de direi-tos humanos, era de 108,4 milhões ao final de 2022. Hoje, o número bateu recorde e supera os 110 milhões. Proporcionalmente, uma em cada 74 pessoas foi obrigada a deixar seu lar. Isso mostra a urgência de encontrar soluções para a crise humanitária que afeta o mundo inteiro. "0 Brasil pode se tomar o campeão do acolhimento a pessoas refugiadas, pois possui muitas boas práticas e uma legislação considerada bastante avançada no cenário internacional, que permite o amplo acesso a serviços e oportunidades para pessoas refugiadas, solicitantes de asilo e apátridas", explica Davide Torzilli, representante da Acnur no Brasil. O Brasil tem se mostrado compro-metido em acolher e proteger os imigrantes e refugiados. A legislação brasileira é considerada generosa, pois permite uma ampla oferta de serviços e oportunidades de trabalho para refugiados e solicitantes de asilo. Isso faz com que o Brasil seja visto como um destino de acolhida na América Latina.

"O brasileiro é descrito pelos estrangeiros como um povo acolhedor, caloroso, que tem prazer em receber, apesar das evidentes questões sociais que enfrentamos. E com os refugiados não é diferente", avalia Helio Gastaldi, diretor de public affairs da Ipsos Brasil. Além da segurança física, por estar distante do problema que motivou sua imigração, o refugiado encontra no Brasil um bom acesso a serviços públicos, como documentação, educação, assistência social e saúde. Isso permite que esses estrangeiros reconstruam suas vidas e contribuam ativamente para a sociedade que os acolheu. "A legislação brasileira pode ser considerada avançada e ágil, pois as fronteiras seguem abertas e há rapidez nos tramites migratórios. Tudo isso contribui para a procura pelo País", avalia Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional.

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Fontes: Elaborado pelo OBMIGRA, a partir dos dados da CG-COMARE. Solicitações de reconhecimento da condição de refugio - Brasil 2022 Instituto IPSOS

Fonte: ISTOÉ
Foto: UNIÃO Orquestra Mundana Refugi: Divulgação. 
Rogerio Cassimiro

Infográfico: Glauco Lara 

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