Uma geração sem-teto: o difícil sonho de uma casa própria para jovens latino-americanos

A precariedade do emprego, as contínuas crises econômicas e o preço exorbitante da terra na América Latina tornaram a compra de uma casa quase impossível para as novas gerações

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Uma geração sem-teto: o difícil sonho de uma casa própria para jovens latino-americanos

Edmir Espinoza
Lima - 03 out 2022

Julio mora em Quito, Equador. Ele é economista, acaba de completar 30 anos e, embora trabalhe formalmente como funcionário público há quase uma década, acredita ser impossível que um dia consiga realizar o sonho adiado de ter a casa própria. “Nem pense nisso. Prefiro alugar e rezar para que em algum momento os preços dos apartamentos caiam”, diz.

Jonathan tem 35 anos, é de Lima, Peru e, ao contrário de Julio, não teve acesso ao ensino superior, trabalha como porteiro em um prédio em Miraflores, bairro nobre de Lima, e mora em uma casa alugada mini-apartamento a 20 quilômetros de sua casa, trabalho com esposa e filhos. Sobre a ideia de comprar uma casa num futuro próximo, Jonathan responde sem entusiasmo: “É super difícil para mim. O máximo que desejo é comprar um terreno e construir uma casa aos poucos.”

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Jonathan carrega a filha no apartamento que alugam no bairro de Villa El Salvador, em Lima, Peru, em 1º de outubro de 2022. (Foto - Leandro Britto)

 

Os dois são filhos de um continente que nos últimos 50 anos cresceu exponencialmente, de forma tão desordenada e não planejada, que parece ter tirado de seus jovens o sonho de ter uma casa digna.

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Jonathan descansa em seu mini-apartamento alugado em Lima. (Foto - Leandro Britto)

 

Para Francisco Sabatini, sociólogo chileno, doutor em Planejamento Urbano pela Universidade da Califórnia e professor da Universidade de Bío-Bío, a industrialização da economia global e a aplicação de políticas de livre mercado na América Latina nos últimos 30 anos supõe-se uma explosão urbana sem precedentes que resultou em crescimento desordenado e sem planejamento urbano sustentável, gerando profundas lacunas sociais e um grave problema, tanto na dificuldade de acesso da população à moradia, quanto na prevalência de assentamentos precários e ocupação ilegal ou informal de terra.

“Infelizmente, as políticas econômicas neoliberais globais, somadas às crises financeiras das últimas décadas, fizeram com que a habitação deixasse de ser apenas um bem físico e se tornasse também o ativo financeiro que mais rende hoje. E isso fez com que os preços da terra e da habitação disparassem, negando a milhões a oportunidade de ter casa própria", explica Sabatini, que acrescenta que, ao contrário da Europa ou dos Estados Unidos, na América Latina não há tradição de mercado de aluguel poderoso e sim, por outro lado, o acesso à casa própria, seja ilegal ou legalmente. Segundo o especialista, isso acontece porque historicamente nossos países tiveram economias inflacionárias e instáveis ​​que geram insegurança financeira para as famílias, principalmente as mais pobres. “Para os latino-americanos, a habitação é muito mais do que uma casa, um bem ou um ativo financeiro. É um seguro de vida e, ao mesmo tempo, uma pensão e o que você vai deixar para seus filhos”, comenta.

Explosão urbana e ocupação informal

De acordo com um estudo do Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU) intitulado Estado das cidades da América Latina e do Caribe em 2012, o crescimento avassalador da região nos 50 anos anteriores fez com que, apenas entre 1970 e 2000, a população nas cidades latino-americanas aumentará em 240%. Por sua vez, segundo projeções da Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina e o Caribe (CEPAL), um em cada cinco habitantes da América Latina e do Caribe vive em assentamentos informais. O Relatório de Economia e Desenvolvimento 2017 do CAF-Banco de Desenvolvimento da América Latina revela, por outro lado, que as famílias latino-americanas precisariam de mais de 30 anos de poupança para comprar uma casa de 60 metros quadrados com preço médio, supondo que alocassem o 30% do seu rendimento para o consumo de serviços de habitação.

Para Álvaro Espinoza, economista e pesquisador associado da área de trabalho Urbanização e Cidades Sustentáveis ​​do Grupo de Análise do Desenvolvimento (Grade), a transformação da dinâmica de acesso à moradia está intimamente relacionada à crescente impossibilidade de encontrar terrenos disponíveis no meio urbano centros das principais cidades da região. “Há três décadas, os jovens chegaram, invadiram e construíram informalmente em áreas próximas aos centros urbanos, onde se concentram a oferta de trabalho, estudos e serviços. Era a única opção para as famílias de baixa renda terem acesso à sua própria casa. Hoje o panorama é outro: sem terrenos disponíveis perto das cidades, a solução de invasão perde o apelo devido aos custos associados ao transporte e ao tempo”, diz Espinoza, que explica assim o aumento dos aluguéis de imóveis e a popularização do modelo de A casa incremental, construída aos poucos, abriga a família extensa e gera um mercado informal de aluguel cada vez maior.

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Jonathan caminha em um parque perto de sua casa no bairro de Villa El Salvador, em Lima, em 1º de outubro de 2022. (Foto - Leandro Britto)

 

O caso da classe média, que cresceu exponencialmente na região nos últimos 30 anos, é semelhante, embora responda a causas diferentes. Espinoza afirma que a informalidade e a precarização do trabalho formal fizeram com que os jovens tivessem menos acesso ao financiamento. “Na década de 1980, em toda a América Latina, a hiperinflação fez com que os empréstimos hipotecários desaparecessem e, assim, de repente, a produção massiva de moradias acabou. Quase quarenta anos depois, vemos as consequências”, explica o economista.

O sociólogo peruano Julio Calderón Cockburn explica que as novas políticas urbanas na América Latina aplicadas na década de 1990 deixaram de lado o modelo do Estado construtor, que adquiriu terrenos, desenvolveu empreendimentos e implementou mecanismos financeiros de demanda. Isso foi substituído por subsídios habitacionais que eram aplicados com base na demanda em países como Chile, México e Peru, ou por um sistema de cobrança-benefício (na forma de mais-valia) como aconteceu na Colômbia, que permite ao Estado captar recursos para novos projetos.

“O problema do subsídio de demanda é que o preço da terra formal cresce e, para manter a rentabilidade e não perder o bônus do subsídio, as incorporadoras constroem moradias populares longe dos centros urbanos. Assim, vemos como no México se fala em cinco milhões de unidades habitacionais sociais que foram concedidas, mas não ocupadas. Porque as pessoas não querem morar a 20 quilômetros da cidade e preferem ir aos centros para morar em quartos alugados ou construir um novo apartamento na casa dos pais", diz Calderón, que acredita que essa política foi insuficiente para resolver o déficit habitacional.

fonte: elpais.com

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